► Publicado em: 17/09/2025
► Categorias: Comportamento, Contos Eróticos, Identidade, Prazer, Representatividade
Escrevo estas linhas como quem abre uma gaveta antiga. Dentro dela, repousam papéis amarelados, rabiscados em diferentes momentos da vida. Entre eles, há um que sempre me olha de volta: a carta que nunca foi enviada. Hoje decidi transformá-la em um conto reflexivo carta, não porque finalmente tenha encontrado coragem de entregá-la ao destinatário, mas porque percebi que talvez ela nunca tivesse sido escrita para ele, e sim para mim mesmo.
Lembro-me bem da noite em que a escrevi. A caneta parecia mais pesada que o normal, e cada palavra saía arrastada, como se carregasse séculos de silêncio. Eu tinha tanto a dizer, mas não sabia por onde começar. Escrevi seu nome no topo da página, depois fiquei minutos apenas olhando para aquelas letras, como se fossem capazes de me julgar. Era estranho: a simples presença do seu nome já me deixava vulnerável.
A carta começou como uma declaração de amor, mas logo se transformou em confissão, em pedido de desculpas, em despedida. Era tudo ao mesmo tempo. Eu falava da sua presença que iluminava os espaços, do vazio que deixava quando partia, da dificuldade de viver entre a esperança e a ausência. Ao final, percebi que havia derramado ali não apenas sentimentos por você, mas também por mim. Era uma tentativa de organizar o caos que me habitava.
Guardei o envelope na gaveta. No dia seguinte, peguei-o de novo, caminhei até a esquina e quase o deixei cair dentro da caixa de correio. Quase. Não consegui. Voltei com ele nas mãos, como se carregasse um segredo precioso demais para ser entregue. Esse gesto repetiu-se várias vezes ao longo dos anos, até que compreendi: havia coisas que precisavam ser escritas, mas não ditas. A carta não enviada cumpria seu papel no silêncio.
Entre o dito e o não-dito
Com o tempo, percebi que não enviar foi também uma escolha. Não de covardia, mas de preservação. Se tivesse colocado aquela carta no correio, teria corrido o risco de perder até mesmo a ilusão que me sustentava. Talvez você tivesse lido e não entendido. Talvez tivesse rido, talvez tivesse se afastado. Talvez tivesse respondido de um jeito que me feriria mais do que o silêncio. Ao não enviar, mantive viva a fantasia. E há fantasias que alimentam mais que realidades quebradas.
Foi nesse ponto que entendi o sentido do conto reflexivo carta: ele não fala apenas da mensagem, mas do espaço vazio que permanece quando ela não chega. O não envio é também narrativa, é escolha, é gesto de amor próprio. No fundo, eu não escrevia para você, mas para mim. Cada palavra era um espelho, cada linha um reflexo. Ao escrever, eu me escutava. Ao guardar, eu me respeitava.
Descobri que o silêncio também comunica. Talvez até mais do que a palavra. A carta não enviada era, paradoxalmente, a minha forma mais sincera de dizer tudo. E o que eu disse para mim mesmo, mesmo guardado, nunca deixou de ecoar.
Cartas como espelhos de desejo
Nem todas as cartas que ficaram na gaveta eram tão melancólicas. Algumas nasceram do desejo, do impulso, da vontade de registrar fantasias que nunca se cumpririam. Palavras ardentes, que queimavam mais por não poderem ser ditas. Ali descobri que, assim como em um conto erótico, a carta também podia ser espaço para o imaginário mais íntimo. No papel, o desejo era livre. Eu podia ser ousado, confessional, sem medo do julgamento.
Essas cartas me ensinaram que escrever também é prazer. O prazer de criar um mundo secreto, um diálogo que nunca acontecerá, mas que existe no instante da escrita. Não enviar me protegia, mas também me dava liberdade. O envelope fechado guardava não apenas silêncio, mas fogo. E eu, ao relê-las sozinho, sentia que elas cumpriam a função de existir apenas para mim.
Foi nesse ponto que compreendi: a carta nunca enviada pode ser uma forma de literatura íntima. Um espaço onde desejo, frustração, amor e renúncia se encontram. É como um palco onde os personagens são reais e inventados ao mesmo tempo. E, de certa forma, todos temos esse palco dentro de nós.
A carta permanece
Anos se passaram. A gaveta mudou de lugar, alguns papéis se perderam, outros se desintegraram. Mas a lembrança daquela carta continua comigo. E hoje, ao escrever este conto reflexivo carta, percebo que talvez ela tenha cumprido sua missão justamente por nunca ter sido enviada. Se tivesse partido em direção ao seu endereço, teria se tornado uma história sua. Ao permanecer comigo, tornou-se minha. Parte da minha identidade, parte da minha trajetória.
Hoje, quando penso em tudo o que ficou por dizer, já não sinto arrependimento. A carta que nunca foi enviada me ensinou que nem tudo precisa ser comunicado para ser verdadeiro. Algumas coisas existem apenas porque foram escritas, não porque foram lidas. E talvez seja assim que deva ser.
No fundo, eu ainda me pergunto se você teria entendido, se teria respondido, se teria mudado minha vida. Mas aprendi que certas perguntas não precisam de resposta. A carta continua guardada dentro de mim, e esse silêncio já basta.
Se você, leitor, também guarda palavras não ditas, experimente escrevê-las. Nem sempre é preciso enviar. Às vezes, o maior destinatário somos nós mesmos. E nesse processo, cada um escreve o seu próprio conto reflexivo carta. Seja amor, despedida ou desejo, todas as cartas que ficam conosco falam mais do que imaginamos.
Assim como tantas histórias escondidas, também há aquelas que se misturam ao imaginário coletivo. Personagens reais ou inventados — como a vida de uma garota de programa, por exemplo — podem se transformar em cartas nunca enviadas, em narrativas que ficam apenas no limite entre a imaginação e a experiência. Porque o que importa, no fim, não é o destino da carta, mas a coragem de escrevê-la.
Este é o meu testemunho, a carta que nunca saiu da gaveta. Que agora, de certa forma, envio ao mundo não como confissão, mas como reflexão. Que ela chegue até você como um convite: abra suas gavetas internas, leia seus próprios silêncios, reconheça suas cartas não enviadas. Talvez descubra nelas mais sobre si mesmo do que poderia imaginar.
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